Dados do Mapa da Violência mostram que, enquanto a taxa de
homicídios por armas de fogo na região sudeste caiu 41,4% entre 2004 e
2014, na região nordeste o índice dobrou. Segundo o estudo, o
crescimento do índice na maior parte dos estados do nordeste, em um
curto período, aconteceu porque os governos tiveram que enfrentar uma
pandemia de violência para a qual estavam “pouco e mal preparados”.
O Mapa da Violência compõe uma série de estudos realizados
pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, desde 1998, tendo como
temática a violência no Brasil. Waiselfisz é vinculado à Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), organismo internacional e
intergovernamental autônomo, fundado em 1957 pelos estados
latino-americanos, a partir de uma proposta da Unesco, órgão da
Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
Conforme o estudo, a taxa média de homicídios por armas de fogo no
nordeste, em 2014 foi 32,8 por 100 mil habitantes, bem acima da taxa da
região que vem imediatamente a seguir, Centro-Oeste, com 26 por 100 mil
habitantes e um aumento de 39,5% entre 2004 e 2014.
No mesmo ano de 2014, os índices do norte e do sul foram,
respectivamente, 23,1 e 16.3 por 100 mil habitantes, com aumentos de
82,1% e 15%, respectivamente. O índice considerado tolerável pela ONU é
de 10 homicídios por arma de fogo a cada 100 mil habitantes. Os
municípios de Mata de São João, na Bahia, e Murici e Satuba, ambos em
Alagoas, com índices de 102, 100 e 95 homicídios por cem mil habitantes,
têm os maiores índices de mortes por armas de fogo do país.
Em situação oposta ao nordeste, na região sudeste a violência armada
mostrou queda acentuada: em 2004 o índice foi 23,9 e em 2014 caiu para
14,0 por 100 mil habitantes. O levantamento mostra que São Paulo e Rio
de Janeiro foram os principais responsáveis pela redução, com
crescimento negativo de 57,7% e 47,8%, respectivamente.
O pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade
Federal do Ceará, Ricardo Moura, ressalta que entre os fatores que
contribuem para este contraste estão o tráfico de drogas, que começou a
se fortalecer no Nordeste depois de estar consolidado no Sudeste, e em
geral, falhas no efetivo policial e na infraestrutura da segurança
pública, que no Sudeste já estavam em processo de melhoria.
O Mapa da Violência também aponta um paradoxo nas taxas de homicídio
por armas entre negros e brancos, de 2003 e 2014. Enquanto o número de
vítimas negras desse tipo de violência subiu 9,9% no período, o de
vítimas brancas caiu 27,1%. Os dados mostram que os negros morrem 2,6
vezes mais que os brancos por armas de fogo e que 94% das vítimas são
homens.
Segundo o levantamento, de 1980 até 2014, morreram no Brasil 967.851
vítimas de disparo de arma de fogo. Desse total, 830.420 (85,8%) foram
homicídios, enquanto as outras mortes foram por suicídio ou acidente.
Os dados mostram que a evolução da letalidade das armas de fogo não
foi homogênea ao longo do tempo. Entre 1980 e 2003, o crescimento dos
homicídios por armas de fogo foi sistemático e constante, com um ritmo
de 8,1% ao ano. A partir do pico de 36,1 mil mortes em 2003, os números
caíram para aproximadamente 34 mil e, depois de 2008, ficam oscilando em
torno das 36 mil mortes anuais. Em 2012, aceleraram novamente, subindo
para 42,3 mil.
“O Estatuto e a Campanha do Desarmamento, iniciados em 2004,
constituem-se em um dos fatores determinantes na explicação dessa quebra
de ritmo”, aponta a pesquisa. O Brasil ocupa a 10ª posição entre os
100 países analisados quanto a esse tipo de crime.
Controle
Para Ricardo Moura, um dos fatores que favorecem o alto índice de
crimes com armas de fogo é a falta controle da circulação dela: “A
grande maioria das armas que circulam no Brasil são produzidas no
próprio pais. São armas que estão dentro do Brasil e a gente não sabe
como circulam de são produzidas para os outros estados. O Brasil não tem
controle sobre vendas, não registra os compradores. Existe um mercado
aberto, paralelo e ilegal, porque as indústrias estão registradas, estão
vendendo, mas a gente não sabe quem compra e quem distribui isso”,
disse o especialista em entrevista à Agência Brasil.
Moura também destaca que o caminho da arma apreendida tem sido um
problema para a fiscalização: “Após a apreensão das armas, é importante
que haja um controle muito mais rigoroso de como elas tramitam. Elas são
submetidas a perícia, ficam apreendidas em fóruns, tribunais, causando
perigo a estes locais, que por vezes são invadidos por grupos de
criminosos em busca dos artefatos, e, em alguns casos, os próprios
agentes estatais comercializam, emprestam ou alugam essas armas que
estão sob a guarda deles”..
Na opinião de Ricardo Moura, o Brasil avançou muito com o Estatuto do
Desarmamento, mas do ponto de vista operacional o controle da
circulação ainda é muito falho e é preciso ter segurança de que a arma
apreendida não vai retornar para a sociedade. (Istoé)